Para aqueles que são amantes da natureza...

"Este cerrado é um pouco como o nosso povo brasileiro. Frágil e forte. As árvores tortas, às vezes raquíticas, guardam fortalezas desconhecidas. Suas raízes vão procurar nas profundezas do solo a sua sobrevivência, resistindo ao fogo, à seca e ao próprio homem. E ainda, como nosso povo, encontra forças para seguir em frente apesar de tudo e até por causa de tudo"

Newton de Castro


domingo, 16 de setembro de 2012

Depósito de rejeitos do césio-137 em Abadia de Goiás foi alvo de polêmica


Moradores da cidade sofreram com o preconceito e tentaram impedir ação.


Local tornou-se o único depósito de lixo radioativo definitivo do Brasil.


Durante o acidente radiológico com o césio-137 em Goiânia, em setembro de 1987, uma das grandes preocupações do governo foi se desfazer da substância radioativa e dos materiais que tiveram contato com ela. No dia 13 daquele mês, catadores de lixo abriram uma máquina de radioterapia abandonada e retiraram de lá uma pedra brilhante, que era do material radioativo. A pedra atiçou a curiosidade de várias pessoas quatro morreram na época e muitas outras sofreram com os efeitos da radioatividade. Roupas, sapatos e outros objetos pessoais dele criaram os chamados "rejeitos" -- lixo tóxico que se tornou um problema de saúde. A solução, após a análise de oito locais em todo o Brasil, foi criar um depósito em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia, que apesar da revolta da população local na época -- acabou se tornando o único depósito de lixo radioativo definitivo do Brasil.

Entrada do depósito onde estão armazenadas as 40 mil toneladas de rejeitos do acidente com césio-1367, em Goiânia, Goiás (Foto: Adriano Zago/G1)
Entrada do depósito onde estão armazenados os rejeitos do césio-137 (Foto: Adriano Zago/G1)
Para isso, foi necessário levar para a cidade uma unidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Porém, essa iniciativa causou polêmica. “Foi uma loucura porque na época não sabíamos o que era césio-137, nós não tínhamos conhecimento. Víamos o que estava acontecendo em Goiânia e o governo queria trazer aquele negócio para nós. Ficamos malucos”, lembra o comerciante Sebastião Mendonça, de 43 anos, um dos participantes das manifestações contra a ida dos rejeitos para a cidade.
No dia 28 de setembro de 1987, a Cnen, que tem sede no Rio de Janeiro, foi acionada pelas autoridades. O grupo de emergência da comissão era treinado para atender acidentes em reatores nucleares. Uma cápsula de césio-137 aberta em uma capital brasileira era novidade. “Ninguém imaginava que seria uma fonte de césio. Tanto que, logo que fomos comunicados pelo primeiro grupo que foi a Goiânia, achamos que tinham medido errado. Pensamos: ‘não pode ser isso’. E quando chegamos a Goiás, vimos que realmente era um acidente maior do que se esperava”, recorda Cesar Luiz Vieria Ney, mestre em energia nuclear e atual supervisor de radioproteção da Cnen em Goiás. Carioca, ele chegou a Goiânia no dia 29 de setembro.
Aparelhos que detectam material radioativo, usados na época do acidente com o césio-137, em Goiânia, Goiás (Foto: Reprodução)Aparelhos que detectam material radioativo, usados na época do acidente (Foto: Adriano Zago/G1)









A princípio, apenas o grupo de emergência havia sido deslocado, mas, por causa da grande repercussão e gravidade do acidente, o trabalho ganhou reforço. Até mesmo o pessoal do administrativo da comissão foi convocado a atuar no caso. Ao todo, 700 pessoas da Cnen atuaram no acidente do césio-137.
Mesmo com a grande quantidade de pessoas trabalhando, o serviço era difícil, pois as pessoas tinham medo da contaminação. O Exército Brasileiro também desembarcou em Goiás. “Tinha o problema de segurança, de pôr a faixa e não deixar ninguém entrar [nos locais contaminados]. O policial tinha medo. A pessoa ultrapassava e ele não ia atrás por medo”, conta Cesar Luiz.
Segurança

Com o controle do acidente e a descontaminação das áreas atingidas um total de sete locais em Goiânia, gerou-se uma grande quantidade de rejeitos. A quantidade de rejeitos oriundos dos 19 gramas de césio concentrado chegou a 40 mil toneladas.
Depósito provisório do césio-137, em Abadia de Goiás (Foto: Reprodução)Depósito provisório do césio-137, em Abadia de Goiás (Foto: Divulgação/Cnen)









Na época, o controle foi feito a partir da retirada dos materiais das áreas que estavam contaminadas. Tudo foi embalado. Para armazenar os rejeitos, foram usados tambores metálicos de 200 litros, caixas de um metro quadrado (mil litros) e até um contêiner marítimo, devido à grande quantidade de material. Os recipientes passaram por testes físicos e de resistência para garantir a segurança.
Inicialmente, os rejeitos foram estocados de forma provisória no mesmo lugar onde hoje funciona a unidade da Cnen em Abadia de Goiás, porém, de forma provisória. Controlado o acidente, um projeto feito a longo prazo definiu o local onde os rejeitos seriam definitivamente guardados.
Cesar Luiza, supervisor de radioproteção, e Leonardo Lage, coordenador do Cnen, em Abadia de Goiás (Foto: Adriano Zago/G1)Cesar Luiz e Leonardo Lage, do Cnen em Goiás
(Foto: Adriano Zago/G1)
Para escolher Abadia de Goiás, os pesquisadores da Cnen realizaram uma série de testes para saber se a área era propícia a receber o depósito dos rejeitos do césio-137. Foi criado, então, um laboratório de radioecologia. O lençol freático da região foi um dos principais objetos de estudo. A equipe constatou que o solo não obtinha águas subterrâneas que abasteciam o município. As pesquisas também comprovaram que, se ali depositado, o césio não vazaria.
Revolta da população

"O povo quis ir embora. Ninguém queria ficar morando aqui. Diziam que todos iam adoecer. Todo mundo tinha medo”, conta a aposentada Francisca Pereira Cardoso Cruz, de 79 anos, que viveu de perto o drama dos moradores de Abadia.
“Invadimos a BR-060 [rodovia que liga Goiânia a Abadia] e tentamos bloquear a vinda do césio. Foi um presente de grego que recebemos naquela época. As manifestações duraram uns três dias ou mais. Passamos a noite às margens da BR, em vigília. Mas fomos surpreendidos porque para cada morador tinha o dobro de policial e eles ficavam na porta das casas para nos vigiar. Lutei muito para o césio não vir para a Abadia”, lembra Sebastião Mendonça.
Depois de todos os estudos realizados e do local definitivo do armazenamento decidido, o material foi distribuído em dois depósitos próximos um do outro. Tudo foi reembalado, para garantir que o material radioativo não vazasse, e colocado dentro de uma espécie de piscina de concreto impermeabilizada. Por cima, foram colocadas terra e grama. Ao todo, segundo Cesar Luiz, o que sobrou das 19 gramas de césio e os materiais contaminados estão protegidos por oito barreiras que impedem o césio de entrar em contato com o meio ambiente.
“A população, inicialmente, não quis. Virou carro na estrada, não queria deixar o material entrar. Teve uma vez, quando já estava tudo estocado aqui de forma provisória, que os manifestantes quiseram invadir e o oficial que estava de trabalho no dia teve uma boa ideia e falou que todos podiam entrar e que cada um podia pegar um tambor e ir embora. Mas, claro, ninguém teve coragem”, recorda Cesar Luiz.
Manutenção

O depósito definitivo foi construído em 1997, mesmo ano em que foi inaugurado o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO), unidade da Cnen em Goiás. O local fica dentro do Parque Estadual Telma Ortegal, que tem 1,6 milhão de m². A estrutura que abriga os rejeitos foi projetada para resistir 300 anos intacta e preparada desastres como tremor de terra e queda de avião. O depósito do césio-137 tornou-se, então, o único depósito de lixo radioativo definitivo do Brasil.
Sebastião Mendonça é comerciante e foi um dos manifestantes que não queriam a ida do cédio-137 para Abadia de Goiás (Foto: Adriano Zago/G1)Sebastião Mendonça é comerciante de Abadia
(Foto: Adriano Zago/G1)
A Cnen disponibiliza à unidade do Centro-Oeste uma verba para a manutenção do solo. “Conservamos principalmente a parte dos morros com grama. Temos um sistema com bomba d’água na beira de um rio que leva a água até esses morros, para que fiquem sempre regados. Inclusive, quando ocorrem queimadas no parque nós ligamos a bomba e a única coisa que fica verde são os morros. O pessoal até diz que é o efeito césio, mas não. Nós usamos a água para manter aquela área intacta. Se der erosão no solo, pode expor uma parte do concreto. Mas isso é algo difícil de acontecer”, explica o supervisor de radioproteção, Cesar Luiz.
As sete principais áreas que foram expostas à contaminação em Goiânia ainda hoje são monitoradas. “Na época do acidente, tudo que estava nesses locais foi removido até se chegar a um nível de radiação que não oferecesse risco à população. Depois do final de dezembro de 1987, todas elas foram avaliadas e estavam livres para utilização. Algumas não estão sendo utilizadas talvez por medo, mas já estão liberadas”, explica Cesar Luiz.
Mesmo sabendo que já não há mais risco de contaminação, os técnicos da Cnen em Goiás continuam monitorando as áreas duas vezes ao ano. O objetivo, segundo o especialista, “é mostrar para a população que realmente não existe mais risco”.
Cesar Luiz Vieira é supervisor de radioproteção do Cnen e trabalhou no acidente do césio-137, em Goiânia, Goiás (Foto: Reprodução)Cesar Luiz Vieira trabalhou no acidente do césio-137, em 1987 (Foto: Divulgação/Cnen)









Três dias depois de chegar à capital goiana, o mestre em energia nuclear Cesar Luiz recebeu a missão de transferir as pessoas contaminadas para a unidade de saúde, que atualmente é o Hospital Geral de Goiânia (HGG). Algumas delas já sofriam com os graves efeitos da radiação. “O impacto social é muito grande. Tinha a discriminação do goianiense com o pessoal que morava na Rua 57 [um dos locais contaminados]. O goiano quando saía do estado era maltratado, o brasileiro saía do país e também era malvisto. São coisas que acontecem quando há um acidente desse tamanho. O medo das pessoas era muito grande. Tive colegas do Rio de Janeiro que vieram trabalhar no acidente e os parentes deles pararam de fazer visita depois”, retrata.
Para ele, o acidente foi um verdadeiro desastre. “Na época, eu já estava trabalhando na Cnen há 14 anos na parte de ciclo de combustível e na medida de minério. Então, já conhecia alguma coisa do assunto, mas a dificuldade foi muito grande porque extrapolou a radiação, pois teve um impacto de cidade social”, analisa.
Discriminação

A auxiliar de serviços gerais Divina Paula Silva de Souza tem 50 anos e é natural de Abadia de Goiás. Ao se casar, ela saiu da cidade e voltou há exatos 20 anos, quando estava grávida de seu segundo filho. Divina Paula, assim como os demais abadienses e goianos, foi vítima do preconceito causado pelo acidente.
Divina Paula é funcionária do Cnen, mora em Abadia de Goiás e sofreu com o preconceito por causa do acidente com o césio-137, em Goiânia, Goiás (Foto: Adriano Zago/G1)Divina Paula é funcionária do Cnen, em Abadia
(Foto: Adriano Zago/G1)
Para notar a diferença no tratamento, não era preciso ir muito longe, bastava ir até a capital. “Quando o césio veio para cá, meus filhos eram pequenos. Eu ia levá-los ao médico, em Goiânia, e, ao falar que morava em Abadia, as atendentes se afastavam de mim. Éramos muito discriminados. Na época, eu estava grávida do meu caçula e o pessoal dizia que ele iria nascer com problema, imperfeito. Mas ele nasceu perfeito e saudável”, comemora Divina.
Para o comerciante Sebastião Mendonça, Abadia de Goiás, que antes era um distrito de Goiânia, foi municipalizada em razão do acidente com o césio-137. “Penso que a cidade foi municipalizada para que não houvesse essa ideia de que o césio ficou em Goiânia”, supõe.
O coordenador do Cnen no Centro-Oeste, Leonardo Bastos Lage, é de Anápolis, cidade a 55 km de Goiânia, e lembra que na época do acidente estava na capital para um evento internacional de motovelocidade. "Senti de perto todo esse preconceito e dificuldade que nós goianos tivemos para superar as questões causadas pelo acidente. Tanto no trabalho em Brasília, pois eu já era funcionário federal, com os veículos com placa de Anápolis ou de Goiânia, como nas nossas viagens de turismo, de lazer. Tínhamos uma rejeição bastante significativa”, relembra.
Com o tempo, os cidadãos de Abadia se acostumaram com o césio-137 e aproveitaram dos benefícios levados para a cidade oriundos da instalação da unidade da Cnen na região. “Muita gente achava que a cidade não ia crescer. O jeito foi lidar com a realidade e conhecer o césio-137, buscar conhecimento, entender o que estava acontecendo. Houve uma preocupação muito grande enquanto não aconteceu o depósito definitivo do material. Hoje é tranquilo, outra realidade. Mas, na época, ficamos na insegurança total”, afirma Sebastião Mendonça. Ele conta também que a ida do césio para Abadia divulgou a cidade e que hoje não vê mais ninguém dizendo que tem medo. “Hoje há segurança total”.
Servidores do Cnen vestiram macacões com a frase "Eu amo Goiânia" no final do acidente com o césio-137, em Goiânia, Goiás (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)Servidores do Cnen vestiram macacões com a frase "Eu amo Goiânia" (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)










Divina Paula, que trabalha na Cnen do Centro-Oeste há 12 anos, afirma que, mesmo com toda a tragédia e impasse vividos pela população, hoje a vida segue tranquilamente. “Todos os profissionais da Cnen esclarecem bem as coisas para nós. Até as pessoas de fora nos veem diferente, eles viram não tem mais todo aquele perigo”.
G1 publica esta semana uma série de reportagens sobre os 25 anos do acidente do césio-137.

Radioacidentados dizem que faltam remédios para vítimas do césio-137



'Em vez de heróis, somos excluídos', afirma policial que trabalhou no acidente.
Trabalhadores da época da tragédia ainda pleiteiam atendimento e pensão.



Após 25 anos do acidente radiológico com o césio-137 em Goiânia, vítimas da tragédia reclamam do atendimento e da dificuldade para encontrar medicamentos no Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara), unidade de assistência à saúde do governo estadual, criada para acompanhar exclusivamente esse grupo, que atualmente é composto por 1.016 pacientes. 
Policial militar da reserva, Marques de Souza Rodrigues, 48 anos, que tem um tumor no cérebro diagnosticado desde 1995 e toma seis tipos de medicamentos por dia, afirma que há mais de um ano encontra dificuldade para obter parte da sua medicação. “A situação parece ter piorado nos últimos meses. Então, resolvi comprar o remédio por conta própria e gastei R$ 140 com apenas um deles”.
Marques conta que, além do mal-estar físico, também se sente mal com a forma como é tratado. “Trabalhei no isolamento do local do acidente e, em vez de sermos heróis, somos excluídos. Sempre encontramos dificuldade para conseguir tratamento e remédios. As pessoas se esqueceram de nós”.
O presidente da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio), Odesson Alves Ferreira, que é membro da família diretamente envolvida com a abertura da cápsula de césio-137, afirmou ao G1 que há um ano e meio não vai ao Cara. “Eu deixei de receber o medicamento. Não tem como um paciente ir ao Centro de Assistência aos Radioacidentados simplesmente para dizer que está doente. Aquilo ali nos interessa a partir do momento que nos dá assistência integral, conforme foi proposto por lei”.
Diretor-geral do Centro de Atendimento aos Radioacidentados, André Luiz Souza confirmou aoG1 que existe uma dificuldade para adquirir medicamentos. Disse também que a situação é mais sensível em relação às vítimas do césio-137. Ele explicou que para este tipo de paciente a troca de medicamentos é constante devido ao avanço da idade das vítimas mais antigas.
Policial militar da reserva Marques de Souza Rodrigues, vítima do césio-137, mostra uniforme da formatura em Goiás (Foto: Versanna Carvalho/G1)
Policial militar da reserva Marques de Souza Rodrigues, vítima do césio-137 (Foto: Versanna Carvalho/G1)
“Temos adquirido remédios de farmácia básica e ambulatório e encontrado dificuldade para encontrar fornecedores para os medicamentos mais específicos, cerca de 35 a 40, voltados para problemas cardíacos, de próstata e outros”, afirma.
Para ele, a extinção do fundo rotativo, que permitia cobrir despesas menores com pagamento imediato, complicou ainda mais a aquisição de medicamentos. Segundo o diretor-geral, o fundo foi extinto por recomendação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE), que entendem que recursos para compras emergenciais não podem ser usados para adquir medicamentos de uso contínuo.
O diretor-geral do Cara acredita que a solução definitiva para o problema seja a aprovação do Fundo Estadual de Saúde, que possibilitará à Secretaria Estadual de Saúde (SES) fazer compras com mais agilidade. Enquanto isso não acontece, a unidade conseguiu firmar uma parceria com a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). “A partir desta semana vamos disponibilizar todos os medicamentos em falta”, garante.
Assistência
Sobre as críticas em torno do atendimento aos pacientes do Cara, André Luiz ressalta que a assistência vai além do fornecimento de remédios. Há também assistente social, médicos, odontólogos e psicólogos exclusivos. Atualmente, o centro atende 1.016 pacientes, que foram classificados em grupos 1, 2 e 3 para fins de atendimento médico.
O grupo 1 é formado por pessoas que foram contaminadas (que tiveram radiolesão externa, cutânea) e irradiadas (que foram submetidas a altas doses de radiação). Nessa categoria, estão 164 pessoas divididas em vítimas do acidente (50), seus filhos (35) e neto (1). O grupo 2, indivíduos que foram contaminados e irradiados em um nível abaixo do observado no grupo 1, tem 44 vítimas e 34 filhos.
Já o grupo 3 é o mais numeroso, com 851 pacientes. Ele é composto por pessoas que tiveram envolvimento com o acidente radiológico, mas em que não ficou comprovada contaminação nem irradiação. Estão nessa categoria os trabalhadores que atuaram nos locais que eram focos de contaminação, na fase de controle do acidente radiológico, fazendo o isolamento das casas e descontaminação de áreas e pessoas. Fazem parte desse grupo policiais militares, bombeiros e trabalhadores de órgãos públicos como antigo Consórcio Rodoviário Interestadual (Crisa) e a Companhia de Urbanização (Comurg).
“O direito do grupo 3 foi conquistado em 2002, quando se tornaram vítimas indiretas. Desde então, é feito todo um acompanhamento desses radioacidentados. Mas a lei que incluiu o grupo 3 não deu a eles os mesmos benefícios concedidos aos grupos 1 e 2. Nossas limitações são impostas pela própria lei”, pontua André Souza.
Os estudos e pesquisas sobre o acidente com o césio-137 e as vítimas ficam a cargo do Centro de Excelência em Ensino, Pesquisas e Projetos Leide das Neves Ferreira (Ceepp-LNF), criado em 2011, e diretamente ligado ao gabinete do secretário Estadual de Saúde. O órgão, que antes fazia parte da extinta Superintendência Leide das Neves, recebe demandas de pesquisadores nacionais e internacionais interessados em conhecer o trabalho realizado emGoiânia e em traçar paralelos com eventos de contaminação por radiação ocorridos em outros países.
Promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves, do Ministério Público de Goiás (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)Promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, do MP-GO
(Foto: Reprodução / TV Anhanguera)
Pensão
A inclusão de novas vítimas do grupo 3 no programa de atendimento aos radioacidentados também pode ajudar no processo de solicitação de pensão. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, em 2010, haviam 181 pessoas cadastradas como beneficiárias de pensão da União e 480 que recebem pensão do estado de Goiás. Algumas dessas pessoas recebem as duas pensões.
Os argumentos desse grupo foram fortalecidos pela publicação de uma nota técnica do Ministério da Saúde sobre o césio-137, em 2001. Segundo o documento, a incidência de casos câncer é de 5,4 vezes a 3,3 vezes maior, respectivamente, nos homens e mulheres diretamente expostos ao acidente do que na população masculina e feminina de Goiânia.
Em maio 2002, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado entre o Ministério Público e o governo do estado, criou parâmetros para o reconhecimento das vítimas no grupo 3 como radioacidentadas. A partir dele, o estado enviou um projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Goiás, que foi aprovado e se tornou a lei estadual 12.226/2002.
O promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves comenta que o TAC possibilitou a inclusão de 900 a mil pessoas como vítimas do césio-137. “Não é possível determinar quantas pessoas efetivamente conseguiram esse reconhecimento, que pode ser feito a qualquer tempo por qualquer pessoa que tenha trabalhado no estado e tenha uma doença crônica. Para isso, deve apresentar documentos, fotos e testemunhas que confirmem isso”, explica. Quem não consegue esse reconhecimento pode ainda recorrer à Justiça.
Kardec Sebastião dos Santos, vítima de contaminação por césio-137 em Goiás (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)Kardec dos Santos se preocupa com as doenças que pode vir a ter (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)









Doenças
A maior dificuldade das vítimas do acidente radiológico é justamente obter a confirmação de que a enfermidade adquirida por eles é uma consequência do césio-137. O histórico de doenças é extenso, mas, normalmente, apenas alguns tipos de câncer são aceitos. O aposentado Kardec Sebastião dos Santos, que ajudou a desmontar o equipamento de radioterapia, em setembro de 1987, se preocupa com o que está por vir. “Minha preocupação é essa, a medula. A doutora falou que, por causa do césio, não aumenta a plaqueta [quantidade de células sanguíneas que transportam oxigênio e nutrientes para o corpo]. Uma pessoa normal tem a partir de 150 mil [por milímetro cúbico de sangue]. A minha não passa de 103 mil”, comenta.
A vice-presidente da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio), Sueli Lina de Morais Silva, afirma ter vários problemas de saúde. “Tenho todos. Pressão alta, gastrite, hérnia, várias complicações”, enumera.
Na opinião de Sueli, as vítimas que tiveram contato direto com o césio-137 e permaneceram por mais tempo nos locais atingidos apresentam mais problemas de saúde. “Eu tenho uma vizinha que também tem. Tem jovens hoje com pressão alta no nosso grupo. A gente pede explicação e não é normal. Há ainda a nossa constante preocupação com o câncer”, relata.
De acordo com o diretor-técnico do Cara, José Ferreira, após 25 anos da contaminação, é necessário continuar acompanhando e fazendo exames nas vítimas. “Agora podem começar a surgir tumores malignos no pulmão, gástrico e de colo [colorretal]. A gente precisa fazer exames e acompanhar, mas é importante dizer, que ao diagnosticar um câncer, a ciência não sabe responder se ele foi causado ou não pelo césio-137”, pondera(assista ao lado à entrevista na íntegra).
Para o promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves, a falta de resposta científica e o medo também geram problemas psicológicos nos radioacidentados. “Agora estamos na fase da ciência, o que engloba pesquisa biogenética, acompanhamento e os medicamentos”, ressalta o promotor. Ele defende que sejam feitas mais pesquisas sobre a história do acidente com o césio-137.
Odesson Ferreira é irmão de Devair, o dono do ferro-velho onde a cápsula de césio foi aberta em Goiás (Foto: Versanna Carvalho/G1)Odesson Ferreira busca respostas para as doenças dos radioacidentados (Foto: Versanna Carvalho/G1)









Já o presidente da Associação das Vítima do Césio (AVCésio) diz que gostaria que a ciência fosse capaz contradizer a realidade que ele vê no dia a dia. “Eu gostaria que, através de pesquisas, documentos e estudos sérios, alguém pudesse dizer para mim que estou errado quando digo que as pessoas estão tendo hipertensão por causa do acidente; quando digo que as mulheres estão tendo osteoporose a partir dos 22 anos; que a gastrite que aparece em 100% das vítimas do césio não fosse verdade. Até para a gente poder dormir mais tranquilo em relação aos nossos netos”, desabafa.
G1 publica esta semana uma série de reportagens sobre os 25 anos do acidente do césio-137.

Assista e entenda:


Cinco animais brasileiros estão na lista dos cem mais ameaçados de extinção do mundo




Cinco espécies de animais brasileiros foram classificados entre os cem mais ameaçados de extinção em todo o mundo de acordo com lista elaborada pela Sociedade Zoológica de Londres. Esta é a primeira vez que mais de oito mil cientistas se reuniram para avaliar animais, plantas e fungos que mais correm riscos de desaparecerem ao redor do globo. A lista contém espécies encontradas em 48 países diferentes.

De acordo com a lista, as espécies brasileiras ameçadas de extinção são macaco muriqui-do-norte (Brachyteles Hypoxanthus); pássaro soldadinho-do-Araripe (Antilophia bokermanni); duas borboletas (Actinote zikani e Parides burchellanu); e uma espécie de preá (Cavia intermedi).

O muriqui-do-norte, maior macaco das Américas, só encontrado na Mata Atlântica, no Sudeste do país, é um dos destaques da lista. Sua população é calculada em menos de mil macacos, principalmente em algumas dezenas de reservas privadas e do governo. Conforme acentuado no relatório, "o desmatamento em larga escala e um passado de corte seletivo de madeira reduziu o ecossistema único do muriqui-do-norte para uma fração de sua extensão original, e as pressões de caça também afetaram as populações locais".

Já a população do soldadinho-do-araripe, ave de cerca de 14 centímetros que vive apenas na Chapada do Araripe, no Ceará, é calculada em 779 indivíduos. O relatório afirma que a principal ameaça é a "destruição do hábitat devido à expansão da agricultura, unidades de recreação e parques aquáticos".

Segundo divulgação do portal de notícias G1, o preá Cavia intermedia, que existe apenas nas Ilhas Moleques do Sul, em Santa Catarina, tem população de apenas 40 a 60 indivíduos. Para a Sociedade Zoológica de Londres, deve haver mais fiscalização no parque estadual onde estão as ilhas, além de regulamentação do acesso à área.

A lista de 100 espécies mais ameaçadas inclui ainda a borboleta Actinote zikani, que vive na Serra do Mar, perto de São Paulo, e a Parides burchellanus, com uma população de menos de 100 indivíduos no Cerrado brasileiro.


Fonte: http://bionarede.blogspot.com.br/2012/09/cinco-animais-brasileiros-estao-na.html

sábado, 15 de setembro de 2012

Planta amazônica lança potássio na atmosfera para produzir chuva


RAFAEL GARCIA
EM WASHINGTON

Um estudo internacional que coletou amostras de ar em uma torre de 80 metros na Amazônia e levou-as a aceleradores de partícula nos EUA e na Alemanha descobriu que as plantas da floresta exercem ainda mais controle sobre o clima local do que se imaginava.
A vegetação amazônica ajuda a criar chuva lançando partículas minúsculas de potássio no ar.
Em um estudo publicado hoje na revista "Science" cientistas que realizaram o experimento afirmam que 90% das partículas de aerossóis --líquidos e sólidos em suspensão no ar-- responsáveis por agregar água atmosférica em gotículas de chuva contém essas partículas.
Alex Almeida-set.2007/Folhapress
Vista aérea da floresta amazônica em 2007
Vista aérea da floresta amazônica em 2007
Os cientistas sabiam da existência de sais de potássio em suspensão, mas não sabia que o elemento saia diretamente das plantas para ser levado aos céus da Amazônia. Talvez o potássio estivesse contido em partículas orgânicas maiores, e só apareceria depois de se degradar.
"Nós nunca imaginávamos que isso também acontecia em partículas com apenas 20 nanômetros", disse à Folha Paulo Artaxo, cientista atmosférico da USP que participou do trabalho. (Um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro.)
"Antigamente não existia técnica analítica capaz de medir concetrações de elementos traços em partículas tão pequenas, mas agora existe."
Essa parte da pesquisa foi feita pelo Instituto Max Planck de Química da Alemanha. O trabalho lançou mão de uma técnica especial de microscopia que gerou feixes especiais de luz gerados em dois grandes aceleradores de partículas, um em Berlin e um na Califórnia.
Segundo o climatólogo Meinrat Andreae, do Max Planck, a descoberta revelou mais um mecanismo usado pela floresta para tentar reter água em sua própria região. Segundo ele, pode ser que a seleção natural ao longo dos milênios tenha favorecido plantas com essa capacidade.
"Nós nos perguntamos se isso é um processo que teve controle evolutivo", diz Andreae.
"Queremos saber se as plantas adquiriram essa capacidade de uma maneira darwinista clássica ou se isso é apenas um subproduto gerado por outros tipos de pressão evolutiva."
TORRES NA FLORESTA
As amostras de ar usadas pelos cientistas no trabalho foram coletadas em uma das torres do maior complexo de pesquisa atmosférica da Amazônia, que está sendo construido em Presidente Figueiredo, a 133 km de Manaus.
O Atto (Observatório Amazônico de Torre Alta, na sigla em inglês) já possui quatro torres de 80 metros. Elas são as peças de sustentação de uma torre ainda maior, com 320 metros, que deve começar a ser construída no mês que vem.
Mesmo antes de estar completa, porém, a estação de pesquisa construída pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) já começou a produzir dados, e o estudo na "Science" usou alguns deles.
O atraso no projeto da torre principal se deveu à demora dos pesquisadores em conseguir uma licença para abrir uma estrada até o local de pesquisa. Como a fase final do projeto requer maior quantidade de material, será preciso levar tudo até o rio Uatumã, na bacia do rio Negro, e fazer o restante do transporte com caminhões.
O trabalho requer o trânsito por uma terra indígena e uma área de preservação, o que acabou gerando mais burocracia do que o previsto para a aprovação do projeto. Não será preciso desmatar nenhuma área para erguer as torres, porém, pois estas ficam em meio às árvores já existentes.
"Em teoria, a torre principal vai estar pronta na metade do ano que vem", diz Artaxo, que visitou o local há duas semanas e viu o trajeto de Fitzcarraldo que os técnicos e cientistas fazem para levar o material até lá. "Não é mole. São dez horas de barco desde Manaus, depois mais 15 km nessa estrada que estão construindo agora."

Quase todo o genoma humano tem alguma função, diz pesquisa


REINALDO JOSÉ LOPES

EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

Parece que a ciência finalmente está começando a abrir a caixa-preta do genoma. Um novo olhar sobre o conjunto do DNA humano indica que ao menos 80% de seus 3 bilhões de "letras" químicas têm alguma função.
E sim, isso é surpreendente --porque, desde que o genoma humano foi soletrado pela primeira vez, há 12 anos, a impressão que ficou é que 95% dele era "DNA-lixo".

Decifrar o genoma foi uma das etapas para entender como as instruções para a execução das funções biológicas são codificadas no DNA. Mas não explica como esse código funciona.
Em uma percepção antiga, o genoma humano continha genes, que são trechos de DNA importantíssimos, e uma grande quantidade de DNA que não se tinha ideia de para que servia, achando-se mesmo que podia ser simples "DNA-lixo".
Ao sequenciar o genoma humano, pudemos fazer um apanhado global dos genes que estão presentes em cada uma das trilhões de células de uma pessoa.
Mas, se cada uma dessas células tem o mesmo repertório de genes, como então uma se transforma num neurônio e outra em uma célula de pâncreas?
A resposta é que, apesar de cada célula conter todos os genes, só uma fração deles é usada em cada tipo celular.
Por exemplo, apesar de todas as células do corpo terem o gene que codifica a produção de insulina, só no pâncreas esse gene é ativado, e só lá a insulina é produzida, dando assim identidade funcional a essas células, que as distinguem de outras.
A regulação desse processo é coordenada por sequências de DNA que estão fora dos genes, na fração de 98% do genoma que não sabíamos para que serve.
Entender isso era o objetivo do projeto Encode (só para deixar claro, eu faço parte da iniciativa).
É bastante surpreendente que uma fração tão grande do genoma (80%) possa, ao que parece, ter função biológica.
O médico brasileiro MARCELO NÓBREGA é professor do Departamento de Genética Humana da Universidade de Chicago

Tal tralha evolutiva não era mais usada pelo organismo para a suposta função primordial dos genes: servir de receita para a produção das proteínas que constroem o organismo (veja infográfico abaixo).
Agora, porém, um megaconsórcio de cientistas, o Encode, liderado pelo britânico Ewan Birney, diz que o "lixo" é uma ilusão.
Embora não estejam diretamente ligadas à produção de proteínas, quase todas as áreas do genoma teriam função reguladora ou serviriam de "molde" para a produção de vários tipos de RNA, outra molécula crucial para a vida.
É possível pensar nesses elementos reguladores como uma série de botões de liga e desliga, que atuam sobre o mesmo gene ou sobre genes diferentes. Mas a coisa é ainda mais complicada.
Isso porque eles não regulam apenas dois estados simples de "ligado" e "desligado". Podem fazer o mesmo gene produzir várias proteínas diferentes, por exemplo. Podem atuar um sobre o outro, potencializando ou diminuindo sua ação.
"Essas diferenças regulatórias talvez sejam as principais responsáveis por aspectos que tanto nos intrigam: existem sequências de DNA que nos fazem 'humanos'? Quais as alterações genéticas que diferenciam cada um de nós?", exemplifica Emmanuel Dias-Neto, biólogo molecular do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo.
"Todos esses aspectos, incluindo a patogênese de doenças complexas, que são a imensa maioria, são impactados por esses achados. E as doenças complexas são ainda mais complexas do que imaginávamos", diz ele.
Tom Whipps/Nature
À direita, os cientistas Ewan Birney, Tim Hubbard e Roderic Guigo com "dançarinas do DNA" em apresentação do estudo
Os cientistas Ewan Birney, Tim Hubbard e Roderic Guigo com "dançarinas do DNA" em apresentação do estudo
Para Dias-Neto, os pesquisadores de hoje têm uma vantagem crucial para melhorar ainda mais essa análise: custo. Hoje, soletrar um genoma inteiro custa "só" US$ 1.000.
A revista britânica "Nature", onde o grosso dos dados está saindo hoje, numa montanha de artigos científicos, fez questão de marcar o feito com pompa. Após a conferência em Londres na qual os resultados foram anunciados, houve até a apresentação de uma "dança do DNA".






Editoria de arte/folhapress