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"Este cerrado é um pouco como o nosso povo brasileiro. Frágil e forte. As árvores tortas, às vezes raquíticas, guardam fortalezas desconhecidas. Suas raízes vão procurar nas profundezas do solo a sua sobrevivência, resistindo ao fogo, à seca e ao próprio homem. E ainda, como nosso povo, encontra forças para seguir em frente apesar de tudo e até por causa de tudo"

Newton de Castro


domingo, 16 de setembro de 2012

Radioacidentados dizem que faltam remédios para vítimas do césio-137



'Em vez de heróis, somos excluídos', afirma policial que trabalhou no acidente.
Trabalhadores da época da tragédia ainda pleiteiam atendimento e pensão.



Após 25 anos do acidente radiológico com o césio-137 em Goiânia, vítimas da tragédia reclamam do atendimento e da dificuldade para encontrar medicamentos no Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara), unidade de assistência à saúde do governo estadual, criada para acompanhar exclusivamente esse grupo, que atualmente é composto por 1.016 pacientes. 
Policial militar da reserva, Marques de Souza Rodrigues, 48 anos, que tem um tumor no cérebro diagnosticado desde 1995 e toma seis tipos de medicamentos por dia, afirma que há mais de um ano encontra dificuldade para obter parte da sua medicação. “A situação parece ter piorado nos últimos meses. Então, resolvi comprar o remédio por conta própria e gastei R$ 140 com apenas um deles”.
Marques conta que, além do mal-estar físico, também se sente mal com a forma como é tratado. “Trabalhei no isolamento do local do acidente e, em vez de sermos heróis, somos excluídos. Sempre encontramos dificuldade para conseguir tratamento e remédios. As pessoas se esqueceram de nós”.
O presidente da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio), Odesson Alves Ferreira, que é membro da família diretamente envolvida com a abertura da cápsula de césio-137, afirmou ao G1 que há um ano e meio não vai ao Cara. “Eu deixei de receber o medicamento. Não tem como um paciente ir ao Centro de Assistência aos Radioacidentados simplesmente para dizer que está doente. Aquilo ali nos interessa a partir do momento que nos dá assistência integral, conforme foi proposto por lei”.
Diretor-geral do Centro de Atendimento aos Radioacidentados, André Luiz Souza confirmou aoG1 que existe uma dificuldade para adquirir medicamentos. Disse também que a situação é mais sensível em relação às vítimas do césio-137. Ele explicou que para este tipo de paciente a troca de medicamentos é constante devido ao avanço da idade das vítimas mais antigas.
Policial militar da reserva Marques de Souza Rodrigues, vítima do césio-137, mostra uniforme da formatura em Goiás (Foto: Versanna Carvalho/G1)
Policial militar da reserva Marques de Souza Rodrigues, vítima do césio-137 (Foto: Versanna Carvalho/G1)
“Temos adquirido remédios de farmácia básica e ambulatório e encontrado dificuldade para encontrar fornecedores para os medicamentos mais específicos, cerca de 35 a 40, voltados para problemas cardíacos, de próstata e outros”, afirma.
Para ele, a extinção do fundo rotativo, que permitia cobrir despesas menores com pagamento imediato, complicou ainda mais a aquisição de medicamentos. Segundo o diretor-geral, o fundo foi extinto por recomendação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE), que entendem que recursos para compras emergenciais não podem ser usados para adquir medicamentos de uso contínuo.
O diretor-geral do Cara acredita que a solução definitiva para o problema seja a aprovação do Fundo Estadual de Saúde, que possibilitará à Secretaria Estadual de Saúde (SES) fazer compras com mais agilidade. Enquanto isso não acontece, a unidade conseguiu firmar uma parceria com a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). “A partir desta semana vamos disponibilizar todos os medicamentos em falta”, garante.
Assistência
Sobre as críticas em torno do atendimento aos pacientes do Cara, André Luiz ressalta que a assistência vai além do fornecimento de remédios. Há também assistente social, médicos, odontólogos e psicólogos exclusivos. Atualmente, o centro atende 1.016 pacientes, que foram classificados em grupos 1, 2 e 3 para fins de atendimento médico.
O grupo 1 é formado por pessoas que foram contaminadas (que tiveram radiolesão externa, cutânea) e irradiadas (que foram submetidas a altas doses de radiação). Nessa categoria, estão 164 pessoas divididas em vítimas do acidente (50), seus filhos (35) e neto (1). O grupo 2, indivíduos que foram contaminados e irradiados em um nível abaixo do observado no grupo 1, tem 44 vítimas e 34 filhos.
Já o grupo 3 é o mais numeroso, com 851 pacientes. Ele é composto por pessoas que tiveram envolvimento com o acidente radiológico, mas em que não ficou comprovada contaminação nem irradiação. Estão nessa categoria os trabalhadores que atuaram nos locais que eram focos de contaminação, na fase de controle do acidente radiológico, fazendo o isolamento das casas e descontaminação de áreas e pessoas. Fazem parte desse grupo policiais militares, bombeiros e trabalhadores de órgãos públicos como antigo Consórcio Rodoviário Interestadual (Crisa) e a Companhia de Urbanização (Comurg).
“O direito do grupo 3 foi conquistado em 2002, quando se tornaram vítimas indiretas. Desde então, é feito todo um acompanhamento desses radioacidentados. Mas a lei que incluiu o grupo 3 não deu a eles os mesmos benefícios concedidos aos grupos 1 e 2. Nossas limitações são impostas pela própria lei”, pontua André Souza.
Os estudos e pesquisas sobre o acidente com o césio-137 e as vítimas ficam a cargo do Centro de Excelência em Ensino, Pesquisas e Projetos Leide das Neves Ferreira (Ceepp-LNF), criado em 2011, e diretamente ligado ao gabinete do secretário Estadual de Saúde. O órgão, que antes fazia parte da extinta Superintendência Leide das Neves, recebe demandas de pesquisadores nacionais e internacionais interessados em conhecer o trabalho realizado emGoiânia e em traçar paralelos com eventos de contaminação por radiação ocorridos em outros países.
Promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves, do Ministério Público de Goiás (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)Promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, do MP-GO
(Foto: Reprodução / TV Anhanguera)
Pensão
A inclusão de novas vítimas do grupo 3 no programa de atendimento aos radioacidentados também pode ajudar no processo de solicitação de pensão. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, em 2010, haviam 181 pessoas cadastradas como beneficiárias de pensão da União e 480 que recebem pensão do estado de Goiás. Algumas dessas pessoas recebem as duas pensões.
Os argumentos desse grupo foram fortalecidos pela publicação de uma nota técnica do Ministério da Saúde sobre o césio-137, em 2001. Segundo o documento, a incidência de casos câncer é de 5,4 vezes a 3,3 vezes maior, respectivamente, nos homens e mulheres diretamente expostos ao acidente do que na população masculina e feminina de Goiânia.
Em maio 2002, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado entre o Ministério Público e o governo do estado, criou parâmetros para o reconhecimento das vítimas no grupo 3 como radioacidentadas. A partir dele, o estado enviou um projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Goiás, que foi aprovado e se tornou a lei estadual 12.226/2002.
O promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves comenta que o TAC possibilitou a inclusão de 900 a mil pessoas como vítimas do césio-137. “Não é possível determinar quantas pessoas efetivamente conseguiram esse reconhecimento, que pode ser feito a qualquer tempo por qualquer pessoa que tenha trabalhado no estado e tenha uma doença crônica. Para isso, deve apresentar documentos, fotos e testemunhas que confirmem isso”, explica. Quem não consegue esse reconhecimento pode ainda recorrer à Justiça.
Kardec Sebastião dos Santos, vítima de contaminação por césio-137 em Goiás (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)Kardec dos Santos se preocupa com as doenças que pode vir a ter (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)









Doenças
A maior dificuldade das vítimas do acidente radiológico é justamente obter a confirmação de que a enfermidade adquirida por eles é uma consequência do césio-137. O histórico de doenças é extenso, mas, normalmente, apenas alguns tipos de câncer são aceitos. O aposentado Kardec Sebastião dos Santos, que ajudou a desmontar o equipamento de radioterapia, em setembro de 1987, se preocupa com o que está por vir. “Minha preocupação é essa, a medula. A doutora falou que, por causa do césio, não aumenta a plaqueta [quantidade de células sanguíneas que transportam oxigênio e nutrientes para o corpo]. Uma pessoa normal tem a partir de 150 mil [por milímetro cúbico de sangue]. A minha não passa de 103 mil”, comenta.
A vice-presidente da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio), Sueli Lina de Morais Silva, afirma ter vários problemas de saúde. “Tenho todos. Pressão alta, gastrite, hérnia, várias complicações”, enumera.
Na opinião de Sueli, as vítimas que tiveram contato direto com o césio-137 e permaneceram por mais tempo nos locais atingidos apresentam mais problemas de saúde. “Eu tenho uma vizinha que também tem. Tem jovens hoje com pressão alta no nosso grupo. A gente pede explicação e não é normal. Há ainda a nossa constante preocupação com o câncer”, relata.
De acordo com o diretor-técnico do Cara, José Ferreira, após 25 anos da contaminação, é necessário continuar acompanhando e fazendo exames nas vítimas. “Agora podem começar a surgir tumores malignos no pulmão, gástrico e de colo [colorretal]. A gente precisa fazer exames e acompanhar, mas é importante dizer, que ao diagnosticar um câncer, a ciência não sabe responder se ele foi causado ou não pelo césio-137”, pondera(assista ao lado à entrevista na íntegra).
Para o promotor de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves, a falta de resposta científica e o medo também geram problemas psicológicos nos radioacidentados. “Agora estamos na fase da ciência, o que engloba pesquisa biogenética, acompanhamento e os medicamentos”, ressalta o promotor. Ele defende que sejam feitas mais pesquisas sobre a história do acidente com o césio-137.
Odesson Ferreira é irmão de Devair, o dono do ferro-velho onde a cápsula de césio foi aberta em Goiás (Foto: Versanna Carvalho/G1)Odesson Ferreira busca respostas para as doenças dos radioacidentados (Foto: Versanna Carvalho/G1)









Já o presidente da Associação das Vítima do Césio (AVCésio) diz que gostaria que a ciência fosse capaz contradizer a realidade que ele vê no dia a dia. “Eu gostaria que, através de pesquisas, documentos e estudos sérios, alguém pudesse dizer para mim que estou errado quando digo que as pessoas estão tendo hipertensão por causa do acidente; quando digo que as mulheres estão tendo osteoporose a partir dos 22 anos; que a gastrite que aparece em 100% das vítimas do césio não fosse verdade. Até para a gente poder dormir mais tranquilo em relação aos nossos netos”, desabafa.
G1 publica esta semana uma série de reportagens sobre os 25 anos do acidente do césio-137.

Assista e entenda:


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