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"Este cerrado é um pouco como o nosso povo brasileiro. Frágil e forte. As árvores tortas, às vezes raquíticas, guardam fortalezas desconhecidas. Suas raízes vão procurar nas profundezas do solo a sua sobrevivência, resistindo ao fogo, à seca e ao próprio homem. E ainda, como nosso povo, encontra forças para seguir em frente apesar de tudo e até por causa de tudo"

Newton de Castro


sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ácido abscísico: um sinal para a maturação de sementes e antiestresse.

Descoberta

Por muitos anos, fisiologistas de plantas suspeitaram que o fenômeno de dormência de semente e de gemas era regulado por um composto inibidor de crescimento, e eles tentaram extrair e isolar tal composto. 
Os experimentos realizados levaram à identificação de um grupo de compostos inibidores que diferiam quimicamente das auxinas. Posteriormente, uma substância que promovia a abscisão de frutos de algodão foi purificada e cristalizada, tendo recebido o nome de Abscisina II. Ao mesmo tempo, uma sustância que promovia dormência de gemas foi purificada e ficou conhecida como Dormina. 
Quando esta última substância foi quimicamente identificada, observou-se que ela era idêntica à Abscisina II. 
A partir de então o composto foi renomeado como ácido abscísico (ABA), devido ao seu suposto envolvimento no processo de abscisão. 
Atualmente, sabe-se que o etileno é o hormônio que promove a abscisão e que a abscisão de frutos de algodão induzida por ABA era devida a sua capacidade para estimular a síntese de etileno. Apesar disso, o ABA é reconhecido com um importante hormônio vegetal. Ele age como regulador negativo do crescimento da parte aérea e do movimento estomático, particularmente quando a planta está submetida a estresse ambiental. 
Outra importante função do ABA é observada na regulação da dormência de sementes. 
Neste aspecto, dormina poderia ter sido um nome mais apropriado para este hormônio. Porém, o nome ácido abscísico (ABA) é ampla e firmemente colocado na literatura. 




Ocorrência, Metabolismo e Transporte

O ABA tem sido detectado amplamente nas plantas vasculares e em musgos (menos em hepáticas). Dentro da planta, o ABA tem sido detectado em todos os órgãos e tecidos vivos, desde a coifa da raiz até a gema apical da parte aérea. Ele é sintetizado em quase todas as células que possuem cloroplastos ou amiloplastos. O ABA pode ser encontrado na forma livre ou conjugado com monossacarídeos. Essa forma conjugada se acumula principalmente nos vacúolos. O ABA na forma livre é encontrado no citosol, podendo uma parte ficar localizada nos plastídios. A estrutura química do ABA assemelha-se à porção terminal de algumas moléculas de carotenóides. 


Ocorrência, Metabolismo e Transporte 


O metabolismo do ABA é particularmente interessante por que seus níveis são alterados de forma abrupta em determinados tecidos, durante o desenvolvimento ou em resposta às mudanças nas condições ambientais. 
Em sementes em desenvolvimento, por exemplo, os níveis de ABA podem aumentar cerca de 100 vezes em poucos minutos e, depois declinam para níveis baixos quando a maturação ocorre.
Já em plantas submetidas a estresse hídrico, os níveis de ABA nas folhas podem aumentar cerca de 50 vezes após 4 a 8 horas de estresse. Após 4 a 8 horas do retorno da irrigação se observa um declínio nos níveis de ABA para valores iniciais. 
A biossíntese não é o único fator que regula a concentração de ABA no tecido. Como ocorre com outros hormônios, a concentração de ABA livre no citosol é também regulada pela degradação, transporte e compartimentalização. 
Por exemplo, o aumento na concentração de ABA nas células-guarda durante o estresse hídrico ocorre como resultado da síntese na folha, redistribuição dentro do mesofilo e importação do ABA produzido nas raízes. Já o declínio nos níveis de ABA após a re-irrigação é conseqüência da degradação e do transporte para outras partes da planta, bem como de um decréscimo na taxa de síntese. A principal causa de inativação de ABA livre é a oxidação, produzindo um intermediário instável (6-hidroximetil-ABA), o qual é rapidamente convertido para ácido faséico (PA) e ácido dihidrofaséico (DPA). O ácido faséico é usualmente inativo. No entanto, ele pode induzir fechamento estomático em algumas espécies e atua na inibição da produção da enzima α-amilase (induzida por giberelinas) na camada de aleurona de sementes de cereais, durante a germinação. O ABA livre pode também ser inativado pela conjugação covalente com outras moléculas, principalmente monossacarídeos. 
A conjugação inativa o ABA como hormônio e altera sua polaridade e distribuição na célula. Um exemplo comum de conjugado é o do Éster ABA-β-D-glicosil (ABA-GE). O ABA na forma livre é encontrado principalmente no citosol, enquanto o ABA-GE se acumula no vacúolo, podendo servir como uma forma de estoque de ABA. 
O transporte de ABA pode ocorrer tanto via xilema como via floema, porém, ele é normalmente mais abundante no floema. Quando ABA marcado radioativamente é aplicado em folhas, ele é transportado para caules e raízes via floema. 
Já o ABA produzido nas raízes parece ser transportado principalmente via xilema. Isto ocorre quando as plantas são submetidas a estresse hídrico. 
Acredita-se que as raízes percebem a falta de água e sintetizam o ABA que é transportado para as folhas. É provável que o ABA funcione como um sinal enviado pelas raízes, que reduz a taxa de transpiração (perda de água) promovendo o fechamento estomático. O interessante é que, embora a concentração de apenas 3 µM de ABA no apoplasto das folhas seja suficiente para fechar o estômato, nem todo o ABA no xilema realmente alcança as células-guarda. Boa parte do ABA do xilema é absorvido e metabolisado nas células do mesofilo. No entanto, durante o estágio inicial de estresse hídrico, o pH da seiva do xilema aumenta de 6,3 para 7,2. Essa alcalinização do apoplasto favorece a formação do ABA dissociado (representado como ABA-COO- ou ABA- ), o qual não atravessa facilmente a membrana celular. Com isso, menos ABA penetra nas células do mesofilo e, consequentemente, mais ABA alcança as células-guardas. Assim, o aumento no pH do apoplasto funciona como um sinal que provoca a redistribuição do ABA nas folhas, favorecendo o acúmulo desse hormônio nas células-guarda e, consequentemente, o fechamento estomático.

Papel Fisiológico

O ABA atua como regulador primário na iniciação e na manutenção da dormência de sementes e de gemas e nas respostas de plantas ao estresse, particularmente estresse hídrico (estresse por frio e salinidade também provocam aumento nos níveis de ABA). Em adição, o ABA influencia muitos aspectos do desenvolvimento da planta atuando como antagonista, de auxinas, citocininas e giberelinas. 

a) Desenvolvimento de sementes

O desenvolvimento da semente pode ser dividido em três fases de aproximadamente igual duração. Durante a primeira fase, a qual é caracterizada pelas divisões celulares, o zigoto sofre embriogênese e o tecido do endosperma prolifera (no caso de sementes endospérmicas). A segunda fase começa com a cessação da divisão celular e termina com a desidratação e o final do desenvolvimento. Durante a segunda fase, ocorre o acúmulo de compostos de estoque, o embrião torna-se tolerante à desidratação e a semente se desidrata, perdendo acima de 90% do seu conteúdo de água. Tipicamente, o conteúdo de ABA é muito baixo no início da embriogênese, alcança um valor máximo num ponto intermediário e, então, decresce gradualmente, ficando o conteúdo de ABA muito baixo quando a semente alcança a maturidade. Coincidente com o período em que os níveis endógenos de ABA são altos, observa-se o acúmulo de mRNAs específicos no embrião, que codificam as proteínas LEA (late embryogenesis abundant – proteínas abundantes no final da embriogênese), as quais parecem estar envolvidas na tolerância do embrião à dessecação. Assim, a síntese das proteínas LEA está sob o controle do ABA, indicando que ele promove a tolerância dos embriões à dessecação. 
Além disso, o ABA parece ser requerido para a expressão de genes que codificam proteínas de estoque durante a embriogênese. 

b) Dormência de sementes

Durante a maturação da semente, o embrião entra em uma fase quiescente (latência) em resposta à dessecação. 
A germinação pode ser definida como o retorno do crescimento do embrião da semente madura. Ela depende das mesmas condições ambientais necessárias para o crescimento vegetativo da planta. Água e oxigênio devem estar disponíveis e a temperatura e demais condições ambientais devem ser adequadas. No entanto, em muitos casos uma semente viável poderá não germinar, mesmo que todas as condições ambientais necessárias para o crescimento sejam adequadas. 

Este fenômeno é denominado dormência de sementes. Existem dois tipos de dormência de sementes: 

• A dormência imposta pela casca ou outros tecidos que circundam o embrião; 

1. A dormência inerente ao embrião. A dormência imposta pela casca (tegumento) ou por outros tecidos, pode ocorrer por alguns mecanismos:  
  • Impedimento da absorção de água;  
  • Dureza mecânica;  
  • Interferência nas trocas gasosas;  
  • Retenção de inibidores; 
  • Produção de inibidores – Alguns tegumentos de sementes podem conter concentrações relativamente altas de inibidores de crescimento (como o ABA), os quais podem suprimir a germinação do embrião. 
2. O segundo tipo de dormência de sementes é a dormência do embrião, ou seja, ela é inerente ao embrião e não é devida a alguma influência do tegumento ou de outro tecido da semente. Este tipo de dormência é devido, provavelmente, à presença de inibidores, especialmente o ABA, bem como da ausência de promotores, tal como as giberelinas. A perda da dormência é freqüentemente associada com uma nítida queda na relação ABA/GAs. 
O ABA parece inibir a síntese de enzimas hidrolíticas dependentes de GAs, como por exemplo, a enzima α-amilase. 

c) Fechamento estomático

A elucidação dos papéis do ABA nos estresses por frio, salinidade e hídrico, levaram à caracterização do ABA como o hormônio do estresse. Como já comentamos anteriormente, a concentração de ABA nas folhas pode aumentar cerca de 50 vezes em plantas submetidas a estresse hídrico. O ABA é muito efetivo no fechamento estomático e sua acumulação nas folhas de plantas estressadas executa um importante papel na redução das perdas de água pela transpiração, sob condições de seca. 
Por outro lado, alguns estudos têm mostrado decréscimo na abertura estomatal antes que ocorra um aumento no conteúdo total de ABA na folha. Esta aparente inconsistência é explicada por estudos que mostram que a resposta inicial do fechamento estomático é causada pela redistribuição de ABA dentro da folha. 





d) Condutividade hidráulica e fluxo de íons

A aplicação de ABA a tecidos radiculares estimula os fluxos de água e de íons, sugerindo que o ABA regula a turgescência das células da folha não somente pelo decréscimo na transpiração (promovendo o fechamento do estômato), mas, também, favorecendo o influxo de água nas raízes. O ABA parece aumentar o fluxo de água, aumentando a condutividade hidráulica das células das raízes. 

e) Crescimento da raiz e da parte aérea

O ABA tem diferentes efeitos sobre o crescimento da raiz e da parte aérea, e os efeitos dependem fortemente do “status” hídrico da planta. Sob condições de baixo potencial hídrico (estresse hídrico), quando os níveis de ABA são altos, o hormônio endógeno exerce um efeito positivo sobre o crescimento da raiz e inibe o crescimento da parte aérea. O resultado é que plantas estressadas apresentam um aumento na relação raiz/parte aérea. 

f) Senescência de folhas (ver também citocininas e etileno) 

O ABA está claramente envolvido na senescência de folhas, e acreditava-se que esta promoção da senescência poderia estar relacionada com o estímulo na produção de etileno. No entanto, experimentos com mutantes de Arabidopsis indicaram que o efeito do ABA sobre a senescência de folhas não é mediado pelo etileno. Aparentemente, o ABA é o agente iniciante da senescência, enquanto o etileno parece exercer seus efeitos em estágio posterior. 

g) Dormência de gemas

A remoção do ápice da parte aérea provoca a redução nos níveis de ABA nas gemas laterais e isto provoca o crescimento dessa gemas. Altos níveis de AIA (auxina) no ápice da parte aérea podem manter altos níveis de ABA na gema lateral, causando inibição do seu crescimento. 

Mecanismo de Ação 

O ABA está envolvido em processos de desenvolvimento de respostas lentas (ex: maturação de sementes) bem como efeitos fisiológicos de respostas rápidas (ex: fechamento estomático). Os processos de respostas lentas inevitavelmente envolvem mudanças no padrão da expressão gênica. O ABA atua induzindo os genes do tipo ABRE (elementos de resposta ao ácido abscísico) e reprimindo os genes do tipo GARE (elementos de resposta às giberelinas) Enquanto as respostas fisiológicas rápidas envolvem, freqüentemente, alterações no fluxo de íons através das membranas da célula. 
As vias de transdução de sinal, as quais amplificam o sinal primário gerado quando o hormônio se liga ao receptor, são requeridas em todas as respostas relacionadas com o ABA, tanto as lentas como as rápidas. 
Embora o ABA possa interagir diretamente com fosfolipídios de membrana, é amplamente aceito que o receptor de ABA é uma proteína. 
No entanto, até o momento a proteína receptora do ABA não foi identificada. 
Alguns experimentos têm sido realizados para determinar se o hormônio deve entrar na célula para ser efetivo ou se ele pode agir externamente ligando-se ao receptor na superfície externa da célula (plasmalema). Alguns resultados indicam que o receptor se encontra na superfície externa da célula, mais ainda existem controvérsias. O efeito mais bem conhecido do ABA é a promoção do fechamento estomático. Em geral, a resposta das células-guarda ao ABA parece ser regulada por mais de uma via de transdução de sinal. Uma vez ligado ao receptor, o complexo ABA/receptor aciona três sinais distintos: aumento na concentração de Ca2+ citosólico, aumento na concentração de Inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e variação do pH do citosol. 

Observe a seguinte seqüência: 
O complexo do ABA/receptor (1) ativa canais de Ca2+ na membrana celular (2), favorecendo a absorção de cálcio pelas células-guardas; O complexo do ABA/receptor ativa canais de efluxo de cloreto (3), promovendo sua saída das células-guardas; O complexo do ABA/receptor também ativa uma proteína G, a qual provoca um aumento nos níveis de IP3 (4). O aumento nos níveis de IP3 provoca a liberação do Ca2+ do vacúolo (5), mediante à ativação de canais de cálcio no tonoplasto (membrana do vacúolo); Assim, o aumento na concentração de Ca2+ citosólico deve-se à absorção via canais ativados por ABA (na membrana plasmática) e da liberação de Ca2+ dos compartimentos internos (vacúolos, RE e mitocôndrias); O aumento na concentração de Ca2+ citosólico estimula a abertura de canais de efluxo de ânions (Cl- ) e inibe a abertura de canais de influxo de K+ (6); O complexo do ABA/receptor também provoca o aumento no pH citosólico (7), o qual ativa os canais de efluxo de K+ (8), que promovem a saída de K+ das células-guardas para as células epidérmicas adjacentes e inibem a atividade ATPásica da menbrana plamática; O íon K+ também deixa a célula em resposta à despolarização da membrana causada pelo efluxo de Cl- ; A saída dos íons leva a um aumento no Ψs e, consequentemente, no Ψw das célulasguardas. Com isso, a célula-guarda perde água para a sua vizinhança e, consequentemente, ocorre diminuição da sua turgescência e, finalmente, o estômato fecha. 

Referências:

FERRI, M.G. Fisiologia Vegetal. Volume II. São Paulo: EDUSP, 1979.
RAVEN, P.H.; EVERT, R.F.; EICHHORN, S.E. Biologia Vegetal. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 6º ed. 2001.
TAIZ, L; ZEIGER, E. Fisiologia Vegetal. 3º edição. Artmed, 2003.

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