Realizada
de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, a Cúpula
Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável foi a terceira conferência mundial
promovida pela Organização das Nações Unidas para discutir os desafios
ambientais do planeta. A conferência ficou conhecida como Rio + 10, uma vez que
ocorreu dez anos após a Cúpula da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro.
Compareceram
a Joanesburgo cerca de 22 mil participantes de 193 países – 100 deles
representados pelo seu Chefe de Estado ou de Governo. Delegados governamentais
e de organizações intergovernamentais somavam 10 mil pessoas. Outras 8 mil
vinham de organizações não-governamentais, grupos indígenas, representantes do
comércio e da indústria, jovens, agricultores, cientistas e representantes
sindicais. Havia também 4 mil jornalistas credenciados e, ainda, milhares de
pessoas que compareceram aos eventos paralelos da conferência, todos
concentrados durante dez dias para discutir a erradicação da pobreza, o
desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente.
Ás
vésperas da Cúpula de Joanesburgo, o clima era bastante diferente.
Constatava-se que os documentos assinados no Rio de Janeiro, tão
estrondosamente celebrados, pouco alteraram a realidade. É o que revelam os
dados da própria ONU publicados pouco antes do início da Conferência, no
relatório intitulado “Desafios Globais, Oportunidades
Globais”:
• Em 2002, 40% da população mundial
enfrentava escassez de água. O relatório aponta que o consumo de água aumentou
seis vezes no último século, o dobro do crescimento populacional no mesmo
período. Enquanto a agricultura representava 70% do consumo de água no planeta
naquele ano, 60% desse total eram desperdiçados devido a sistemas ineficientes
de irrigação. Com isso, a ONU alertou que, se os padrões de consumo
continuassem os mesmos, metade da população mundial (3,5 bilhões de pessoas)
sofreria com a falta de água em 2025.
• Estima-se que 90 milhões de
hectares de florestas foram destruídos na década de 1990 – uma área maior que o
tamanho da Venezuela, representando 2,4% da área total de florestas do planeta.
Com isso, 9% das espécies de árvores estavam ameaçadas à época da Cúpula de
Joanesburgo.
• A cada ano, 3 milhões de pessoas
morriam de doenças causadas pela poluição.
• A falta de saneamento básico
vitimava 2,2 milhões de pessoas por ano.
• Embora os países ricos tenham se
comprometido em Estocolmo a destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto
anualmente para que os países pobres enfrentem os problemas da miséria e da
degradação do meio ambiente, a ajuda concreta – que era, em média, de 0,36% do
PIB em 1992 – caiu para 0,22% do PIB anual em 2002.
• A proporção de pessoas que ganhavam
menos de US$ 1 por dia caiu de 29% para 23% da população mundial. No entanto,
em números absolutos, ainda representavam mais de 1,2 bilhões de pessoas, 75%
delas nas zonas rurais.
Ao
desestimulante quadro ambiental, somava-se uma série de desastres ecológicos.
No continente asiático, cientistas se viram atônitos diante de uma imensa
camada de poeira que cobria com uma massa de 3 quilômetros de
espessura a gigantesca área de 25 milhões de quilômetros quadrados, o que
equivale a três vezes a área do Brasil.
O fenômeno, resultado do acúmulo de um
conjunto de gases poluentes e da queima de florestas, afetava drasticamente a
saúde da população chinesa e paquistanesa, reduzia a produtividade agrícola em
15% e alterava intensamente regime climático e pluviométrico da região.
Diante
desse cenário, uma reunião de todos os países para discutir o desenvolvimento
sustentável poderia parecer bastante oportuna. No entanto, as dificuldades de
se chegar a um consenso com relação a diversas questões durante o processo
preparatório da Cúpula de Joanesburgo demonstravam a falta de vontade política
dos países ricos em arcar com suas responsabilidades, espalhando o pessimismo
entre os ambientalistas de todo o mundo.
A
Rio + 10 produziu dois documentos oficiais, adotados pelos representantes dos
191 países presentes na conferência: a Declaração Política e o Plano de Implementação.
O conteúdo desses documentos reflete as limitações do processo decisório
vigente nas Conferências patrocinadas pelo sistema das Nações Unidas, baseado
na necessidade de consenso e na igualdade de peso no voto de todas as nações.
Os resultados, portanto, constituem o mínimo denominador comum entre as
posições de todas as nações presentes à Conferência, não correspondendo às
graves necessidades do planeta que requerem medidas mais drásticas e eficazes.
A Declaração Política,
intitulada “O Compromisso de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável”,
possui 69 parágrafos divididos em seis partes. Como o nome indica, trata-se de
documento que estabelece posições políticas, e não metas. Assim, reafirma
princípios e acordos adotados na Estocolmo-72 e na Rio-92, pede o alívio da
dívida externa dos países em desenvolvimento e o aumento da assistência
financeira para os países pobres, além de reconhecer que os desequilíbrios e a
má distribuição de renda, tanto entre países quanto dentro deles, estão no
cerne do desenvolvimento insustentável.
O texto admite ainda que os objetivos
estabelecidos na Rio-92 não foram alcançados e conclama as Nações Unidas a
instituir um mecanismo de acompanhamento das decisões tomadas na Cúpula de
Joanesburgo.
O
segundo e mais importante documento resultante da Cúpula é o Plano de Implementação,
que possui dez capítulos e 148 parágrafos em cerca de 70 páginas. Seu mote é
alcançar três objetivos supremos: a erradicação da pobreza, a mudança nos
padrões insustentáveis de produção e consumo e a proteção dos recursos
naturais. Um dos pontos mais relevantes do documento é o tratamento de temas
antigos de uma forma que reflete a evolução no cenário internacional desde
1992. Destaca-se, assim, a seção sobre globalização, um tema que sequer era
registrado na agenda política dez anos antes. Da mesma maneira, no que se
refere à pobreza, o documento reconhece que o combate a ela implica em ações
multidimensionais, que englobem questões desde o acesso à energia, água e
saneamento, até a distribuição eqüitativa dos benefícios derivados do uso da
diversidade biológica.
Abaixo
estão as principais determinações e diretrizes do Plano de Implementação:
• Os países desenvolvidos
comprometem-se a diminuir o abismo que os separa das nações em desenvolvimento
por meio de ações de cooperação internacional que dêem ênfase às áreas de
finanças, transferência de tecnologia, endividamento e comércio, além de
incentivar a plena participação dos países em desenvolvimento nas decisões
internacionais.
• A erradicação da pobreza é o maior
desafio mundial. Até 2015, a
proporção de pessoas com renda inferior a US$ 1 por dia deve ser reduzida pela
metade, assim como a proporção de pessoas que passam fome, o que reafirma a
meta estabelecida na Declaração do Milênio da
ONU.
• O ano de 2015 também é o limite
para que se reduza pela metade o número de pessoas sem acesso a água potável e
segura (outra meta determinada na Declaração do Milênio )
e também sem acesso ao saneamento básico.
• Criação de um Fundo Mundial para a
Erradicação da Pobreza e Promoção do Desenvolvimento Social e Humano nos Países
em Desenvolvimento, sustentado com contribuições voluntárias.
• Aos países desenvolvidos, cabe
enfrentar alguns dos principais problemas ambientais do planeta conforme o
princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Esse princípio –
acordado em Estocolmo e reafirmado durante a Rio-92, voltou à pauta de discussões
em 2002 devido à resistência de países ricos que se recusavam a aceitar a ideia nele contida de que, embora todas as nações compartilhem os mesmos objetivos e
metas, elas apresentam diferentes capacidades e recursos para alcançá-los.
• Com senso de urgência, deve-se
incrementar substancialmente o uso de fontes de energia renovável no consumo
global de energia. A Iniciativa Brasileira de Energia
, que propunha a meta de utilização de, no mínimo, 10% de fontes de energia
renovável até 2010, foi derrotada em função da resistência dos Estados Unidos e
de outros países desenvolvidos, além dos países membros da Organização dos
Países Produtores de Petróleo – OPEP (exceto a Venezuela).
• Recomenda-se a manutenção ou
recuperação de áreas destinadas à pesca e a compensação das reservas pesqueiras
mais afetadas até 2015.
• Até 2020 deve-se reduzir
significativamente os efeitos nocivos de produtos químicos e do lixo tóxico
sobre o meio ambiente e sobre a saúde humana, de acordo com o “princípio da
precaução”, estabelecido na Rio-92.
• Os países que ratificaram o Protocolo de Kyoto urgem
os demais a fazê-lo em curto espaço de tempo.
• Até 2010, promover o acesso de
países em desenvolvimento a substâncias alternativas que não causem danos à
camada de ozônio.
• Reconhece-se que a globalização faz
com que persistam sérias crises econômicas, insegurança, exclusão e desigualdades
entre as populações.
• As nações se comprometem a promover
e aumentar o acesso eqüitativo a serviços de saúde, incluindo a prevenção em
todos os níveis, serviços de imunização, tecnologia médica e, especialmente,
medicamentos essenciais e seguros a preços acessíveis. Reafirma-se a decisão da
Organização Mundial de Comércio de que seus membros não estão impedidos de
tomar medidas visando a proteção da saúde pública e o acesso a medicamentos
para todos. Com isso, o documento contorna a forte pressão de laboratórios
farmacêuticos contra a quebra de patentes de seus produtos.
• Deve-se alcançar, até 2010, uma
redução significativa da perda de biodiversidade. Estabelece a necessidade da
elaboração de um sistema para promover a distribuição eqüitativa dos benefícios
decorrentes da utilização dos recursos naturais. Dessa maneira, o novo sistema
deve garantir que os países mais pobres – detentores de áreas com maior
biodiversidade, a exemplo do Brasil – recebam parte dos lucros obtidos pelos
países mais ricos por usar recursos advindos de seu território.
• Até 2015 os índices de mortalidade
infantil e materna deverão ser reduzidos respectivamente para 2/3 e 3/4 dos
índices apresentados em 2000.
• Enfatiza-se a redução em 25% da
incidência do vírus HIV em pessoas de 15 a 24 anos até 2005 nos países mais afetados,
e até 2010 em todo o planeta.
• Reafirmou-se a recomendação de que
os países desenvolvidos apliquem 0,7% de seu Produto Interno Bruto em
assistência a países em desenvolvimento. Cabe ressaltar que, no período
de 1992 a
2002, os países ricos aplicaram apenas 0,22% de seu PIB em ajuda às nações em
desenvolvimento, apesar do acordo firmado em Estocolmo, em 1972, e reafirmado
na Rio-92.
• As dívidas externas dos países mais
pobres e endividados deverão ser reduzidas por meio de alívio ou cancelamento
dos débitos.
• Assegurar, até 2015, a educação primária
para todas as crianças, meninos e meninas da mesma forma, habilitando-os a
completar oito anos de educação fundamental. Fica também estabelecida para 2015 a eliminação de
disparidades de gênero quanto a oportunidades educacionais.
• O documento oficializa o incentivo
a iniciativas regionais que promovam o desenvolvimento sustentável centradas
nos problemas específicos de cada região.
• O implementação da Agenda 21 e dos
resultados da Cúpula de Joanesburgo.
É
importante ressaltar que o propósito maior da Conferência de Joanesburgo não
era, portanto, adotar novos compromissos, acordos ou convenções internacionais,
mas sim fazer uma profunda avaliação dos avanços e dos obstáculos com que nos
deparamos ao olharmos para os compromissos assumidos em 1992.
Visava-se, então,
identificar as razões pelas quais se avançou tão pouco na implementação desses
compromissos e identificar medidas que pudessem ser tomadas com o objetivo de
viabilizar a sua realização. Além disso, deve-se notar ainda que, desde 1992,
os temas de aquecimento global e biodiversidade, são discutidos em fóruns
específicos: a Convenção sobre Mudanças Climáticas
e a Convenção sobre Diversidade
Biológica . Portanto, as negociações em torno desses dois assuntos
avançam separadamente, com encontros anuais dos países signatários. Assim,
questões relacionadas, como o Protocolo de Kyoto, não
faziam parte da pauta de Joanesburgo.