Para aqueles que são amantes da natureza...

"Este cerrado é um pouco como o nosso povo brasileiro. Frágil e forte. As árvores tortas, às vezes raquíticas, guardam fortalezas desconhecidas. Suas raízes vão procurar nas profundezas do solo a sua sobrevivência, resistindo ao fogo, à seca e ao próprio homem. E ainda, como nosso povo, encontra forças para seguir em frente apesar de tudo e até por causa de tudo"

Newton de Castro


terça-feira, 16 de março de 2021

Plantas que mentem

Em tempos de fakenews, eu encontrei esse artigo e pensei ser interessante compartilhar com meus alunos de Organografia e Sistemática Vegetal. Segue texto na íntegra.

A polinização cruzada é a troca de genes através do pólen entre distintos indivíduos da mesma espécie, tem muitas vantagens, dizem os livros. As duas mais importantes serão: 1) a redução do risco da expressão de genes que de algum modo reduzem o sucesso reprodutivo dos indivíduos (fitness darwiniana); 2) a aceleração das taxas evolutivas. Teoricamente, as plantas alogâmicas (de polinização cruzada) solucionam com mais facilidade do que as autogâmicas (as que se autopolinizam) a grande ameaça que paira sobre todos os seres vivos: a eterna mutabilidade deste mundo.
As plantas sendo imóveis durante a maior parte do seu ciclo de vida "encontraram" uma solução engenhosa para a trocarem genes entre si: através da oferta de recompensas alimentares cativaram animais (agentes de polinização) para realizar o transporte de pólen de flor em flor. O pólen e o néctar são os tipos de recompensa mais frequentes. Para sinalizarem a presença destes alimentos aos polinizadores as plantas "desenvolveram" sinais visuais (forma e cor das pétalas), tácteis (papilas) ou odoríferos (moléculas análogas às feromonas dos insetos fêmea) O mutualismo planta-polinizador acelerou as taxas evolutivas quer das plantas quer dos animais polinizadores, facto que explica, pelo menos em parte, o sucesso (a abundância) das plantas com flor e de alguns grupos de insetos (himenópteros).
A oferta de recompensas é o pagamento do serviço polinização é energeticamente muito caro. A edificação de nectários e estames, e o fabrico de néctar e pólen implicam produzir menos folhas, menos caules e menos raízes. Crescer menos arrasta o enorme risco de ser menos competitivo do que o vizinho do lado, um inimigo que combate, sem tréguas, por espaço e recursos. As plantas enfrentam um problema análogo ao nosso quando entramos num supermercado: gastar todo o dinheiro em peixe rico em omega 3 implica não ter batatas para engrossar a sopa ou pão para o pequeno-almoço (é assim que se referem ao café da manhã em Portugal). A polinização cruzada tem, portanto, um enorme custo de oportunidade evolutivo.
O elevado custo das recompensas incrementa a probabilidade do sucesso de soluções alternativas ao mutualismo planta-polinizador. A autogamia - por exemplo através do desenvolvimento de flores cleistogâmicas (que se fecundam a si próprias antes de abrirem ao exterior) - é uma solução frequente. Outra hipótese é optar por vectores físicos de polinização como o vento (novamente com enormes custos energéticos). Porém, melhor, é findo o serviço de polinização não pagar a conta. Por outra palavras: mentir aos polinizadores.
A polinização fundada na mentira é conhecida por polinização por engano. Os botânicos reconhecem dois tipos de polinização por engano:
· Polinização por engano sexual (“sexual deceit”) – as flores mimetizam as feromonas sexuais e/ou os sinais visuais e tácteis de insetos fêmeas; os insetos machos são usados como veículo de pólen quando visitam e tentam copular (pseudocópula), por engano, com a flor; sistema muito conhecido das orquídeas;
· Polinização por engano alimentar (“food deceit”) – as flores assinalam a presença de recompensas alimentares inexistentes; as espécies que seguem esta estratégia imitam a forma e os odores de espécies que oferecem recompensas.
A mentira está generalizada na Natureza; compensa até ao momento que as vítimas aprendem a distinguir os impostores dos ingénuos que nunca enveredaram pelos caminhos do embuste. As relações mutualistas - por definição relações entre indivíduos de diferentes espécies com ganhos de parte a parte - geram tensões evolutivas que podem ser quebradas a qualquer momento. Mas a estratégia de polinização com vectores animais sem sexo nem comida também tem os seus riscos. Por alguma razão os caloteiros são menos frequentes do que os cumpridores da ordem estabelecida.

A Plumeria rubra (Apocynaceae), uma árvore centro-americana, não oferece recompensas às borboletas noturnas polinizadoras, engana-as mimetizando o odor e a forma de outras espécies falaenófilas com recompensas [foto C. Aguiar, tirada nos belíssimos jardins de Goiânia, Goiás]

Ophrys apifera: polinização por engano sexual. https://species.wikimedia.org/wiki/Ophrys_apifera


Ophrys abeille imita fêmeas: polinização por engano sexual.
https://www.pinterest.se/pin/420312577696583334/

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