Se você aprendeu na escola que o modelo de DNA teria sido proposto por James Watson e Francis Crick, saiba que a história não foi bem assim...
Pioneira nas pesquisas de biologia molecular, a biofísica britânica Rosalind Franklin ficou conhecida no meio científico por seu trabalho sobre a difração dos raios-x, além de ter descoberto o formato helicoidal do DNA e ganhar o título póstumo de “mãe do DNA”.
Por ser, talvez, umas das mulheres mais injustiçadas da ciência moderna, o reconhecimento de Rosalind foi impedido pelo seu chefe, o biólogo molecular Maurice Wilkins, nos anos 1950. Wilkins não a aceitava como autora da descoberta do formato helicoidal do DNA e chegou a ofender Rosalind em diversas cartas que trocou com outros cientistas da mesma área de atuação.
Nascida em Londres em 1920, Rosalind Franklin se destacou nas aulas de ciências desde muito nova, tendo estudado em uma das poucas escolas para garotas que ensinavam física e química na sua época. Decidiu que queria ser cientista aos 15 anos, contrariando a vontade de seus pais, que não viam futuro para ela nessa área dominada por homens e gostariam que sua filha estudasse serviço social. Em 1939, entrou no Newham College, que faz parte da universidade de Cambridge, graduando-se em físico-química em 1941. No ano seguinte, Rosalind tornou-se pesquisadora, analisando a estrutura física de materiais carbonizados usando raios-x.
Já trabalhando na British Coal Utilization Research Association, desenvolveu estudos que se tornaram fundamentais sobre as microestruturas do carbono e do grafite – assuntos que foram a base de seu doutorado em físico-química em Cambridge, em 1945. Entre 1947 e 1950, Franklin trabalhou no Laboratoire Central des Services Chimiques de L’Etat, em Paris, onde usou a técnica da difração dos raios-x para analisar materiais cristalinos.
No ano seguinte, acabou voltando para a Inglaterra, onde se juntou à equipe de biofísicos do King’s College Medical Research Council no laboratório de biofísica de Maurice Wilkins. Lá, a cientista começou a aplicar seus estudos com difração do raio-x para determinar a estrutura da molécula do DNA. Suas observações e anotações permitiram aos bioquímicos James Dewey Watson e Francis Crick, juntamente de seu chefe Wilkins, confirmar a dupla estrutura da molécula do DNA, o que rendeu ao trio o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962.
Exatamente: Rosalind conduziu o estudo que permitiu a observação do formato helicoidal do DNA, mas seu nome não levou os créditos pela descoberta. Por isso, a cientista é tida como uma das mulheres mais injustiçadas da ciência moderna e, nessa época, foi vítima de ofensas diversas por parte de Wilkins, que chegou a chamá-la de bruxa e conspirar contra a cientista junto a outros profissionais da área.
Então, em 1953, a cientista acabou se mudando para o laboratório de cristalografia J.D Bernal, do Birkbeck College, em Londres. Lá, Rosalind deu continuidade a seu trabalho sobre a estrutura mosaical do vírus do tabaco e, quando começou a pesquisar sobre o vírus da poliomielite em 1956, descobriu que estava com câncer no ovário.
Seu último trabalho foi publicado em 1958, sobre as estruturas do carvão, e Rosalind Franklin acabou morrendo jovem, aos 37 anos, por conta do câncer descoberto tardiamente. A polêmica briga entre Rosalind e Wilkins
Nos anos 1950, as mulheres ainda eram extremamente desvalorizadas na academia. Em muitas universidades, por exemplo, apenas homens tinham permissão para utilizar os restaurantes do campus, e diversos estabelecimentos não permitiam a entrada de mulheres, sobrando a elas os espaços exclusivamente femininos (que não costumavam ser exatamente científicos).
Nesse contexto surge a tensão entre Rosalind e Wilkins por conta da autoria da descoberta da estrutura dupla do DNA. Em cartas reveladas nos anos recentes, trocadas por Crick e Watson com Wilkins, os cientistas a chamavam de “bruxa” e conspiravam contra a presença dela no laboratório. “Espero que a fumaça de bruxaria saia logo das nossas vistas”, escreveu Wilk em uma carta enviada a Francis Crick em 1953.
Dois grupos competiam para mostrar como era exatamente a construção do DNA: de um lado, Wilkins, chefe do laboratório onde Rosalind trabalhava; do outro, Crick e Watson, em Cambridge. Apesar da rivalidade entre os dois grupos para ver de quem seria a primeira descoberta, eles acabaram se unindo contra Rosalind, que foi autora da “fotografia 51” – imagem com ótima definição do DNA obtida pela cientista, sendo o melhor registro fotográfico da estrutura já obtido até então. No entanto, a cientista observou as imagens por nove meses, mas não teve o insight de perceber que a estrutura se tratava de uma dupla hélice.
Intrigado, um aluno de Franklin levou (sem o consentimento da cientista) a tal fotografia para Wilkins, com o intuito do chefe do laboratório dar alguma observação interessante. Wilkins então se apossou da imagem, compartilhando-a com seus colegas de Cambridge. Foi então que Crick e Watson tiveram o insight que Rosalind não teve e, em 1953, publicaram na renomada revista Nature um artigo com a proposta da estrutura, que é aceita até os dias de hoje. Rosalind Franklin não foi citada no documento, e seu nome foi totalmente deixado de fora da descoberta.
A "fotografia 51", de autoria de Franklin, que foi o melhor registro fotográfico do DNA feito até então (Imagem: Domínio Público)
Reconhecimento póstumo
Quando morreu, em 1958, a cientista não tinha obtido o justo reconhecimento pelo seu trabalho, que foi essencial para as conclusões do trio ganhador do prêmio Nobel. A cientista não ganharia a premiação, de qualquer forma, pois não há Nobel póstumo.
Contudo, as cartas trocadas pelo trio mostram que eles tinham plena consciência de que não teriam conseguido essa façanha profissional sem o trabalho de Rosalind. Somente a partir dos anos 1960 que ela passou a ser reconhecida pela comunidade científica como autora das imagens que permitiram a observação da dupla hélice e, no ano 2000, o próprio Watson acabou citando o nome de Franklin como tendo papel fundamental para sua descoberta. Segundo ele, a cientista só não soube interpretar seus próprios dados, e Rosalind Franklin acabou ficando conhecida como a “dama sombria” da descoberta da dupla hélice do DNA. Contudo, Watson, mesmo idoso, não deixa de se envolver em novas polêmicas: recentemente ele declarou que negros são menos inteligentes do que brancos e que seria uma ótima ideia usar a genética para deixar todas as mulheres mais bonitas.
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