Muito se fala em Desenvolvimento Sustentável (DS) como a solução definitiva para os problemas ambientais da atualidade. O principio de que se deve usar os recursos naturais com racionalidade no presente para não comprometer o uso pelas próximas gerações no futuro, foi introduzido vagarosamente nas empresas, na legislação, em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e nos documentos que norteiam a construção do currículo escolar.
Apesar do termo ganhar evidência a partir do final da década de 1960 com o Clube de Roma e as grandes conferências mundiais da década de 1970, a base do pensamento teve origem em Gifford Pinchot, que no século XIX, defendia o uso adequado e criterioso dos recursos naturais, de forma racional para a maioria dos cidadãos. Admitia a natureza como mercadoria, mas questionava a velocidade em que se dava a sua posse (DIEGUES, 1996).
Para Oliveira (2005), defender o uso racional dos recursos naturais é garantir o combustível para manutenção da máquina capitalista, que com técnicas e o trabalho humano são convertidos em riqueza e poder, e os problemas ambientais se resolvem através da ciência e tecnologia. É de caráter ideológico por manter a dominação de uma classe através da alienação.
Em 1968, cientistas, educadores, economistas e industriais se reuniram formando o Clube de Roma para discussões sobre geopolítica. O produto, foi o livro Limites do Crescimento, que alertava para o aumento populacional frente aos recursos naturais não-renováveis e propunha um planejamento mundial para a manutenção do capitalismo com um equilíbrio que fosse sustentável no futuro. Diante disto, em 1972, foi realizada a Primeira Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Estocolmo (Suécia) que teve por objetivo principal formar uma aliança internacional para estimular os governos a criarem políticas ambientais para conter poluição. Oliveira (2005) destaca que as discussões sobre o uso dos recursos naturais, tinham como pano de fundo, a manutenção da reprodução do capital e o interesse em controlar e obstruir o crescimento dos países subdesenvolvidos, estimulando-os a seguir as “recomendações” dos países hegemônicos.
A crise do petróleo em 1973, mostrou que não bastava manter recursos naturais para o capital, era preciso ter controle sobre eles (HARVEY, 1992). Sem preocupações com o meio ambiente, as décadas seguintes foram de expansão industrial em muitos países, evidenciando que a Conferência de Estocolmo não havia sensibilizado o mundo quanto aos problemas ambientais. Porém, a maior preocupação era o risco de esgotamento dos recursos naturais que poria fim ao capitalismo.
Assim, em 1983, a ONU cria uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e quatro anos depois, o Relatório Brundtland (Nosso futuro comum) é publicado introduzindo o conceito de DS, ressaltando as preocupações com o crescimento populacional e o esgotamento dos recursos naturais. Sob a influência deste relatório acontece a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, com a participação de 178 países.
O Brasil não foi uma escolha aleatória. País em desenvolvimento com economia que se alinhava ao neoliberalismo e um grande patrimônio natural e genético, além de uma biodiversidade ainda não explorada. Segundo Dias (1991), a Rio-92 foi o evento mais importante desde que o ser humano se organizou em sociedade, por reunir milhares de Organizações Não-Governamentais e participantes da sociedade civil para discutir as questões ambientais. Esse era o ambiente propício para a propagação e difusão de uma nova ideologia de desenvolvimento. Neste evento, foram aprovadas a Carta Brasileira para a Educação Ambiental, que recomendou a implantação da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a Agenda 21.
A Agenda 21 estabeleceu metas para o DS, propôs ajuda financeira aos países em desenvolvimento, a conservação da diversidade biológica, o fortalecimento da base científica para o manejo sustentável e treinamento ao país interessado. Todos os segmentos foram impregnados pelas políticas de sustentabilidade (agricultura sustentável, dinâmica demográfica sustentável, padrões de consumo sustentável, sustentabilidade do produto, educação para a sustentabilidade entre outros). Os objetivos eram ajustar os problemas ambientais e regular os recursos naturais às necessidades do capital e manter o controle do desenvolvimento em países periféricos.
Em 2000, a ONU divulga o programa Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) contendo oito objetivos para a erradicação da pobreza a serem alcançados até 2015. Admitiu que os objetivos propostos na Rio-92 não foram alcançados, o que seria confirmado durante a Rio+10. Ao identificar o ambiente escolar como propício para a difusão de novas ideias, em 2004, a ONU lança a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS) que continuaria a partir de 2015 com a Agenda 2030, implementada pelo documento Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: objetivos de aprendizagem (UNESCO, 2017). Para Costa e Gonçalves (2017), a Agenda 2030 discute problemas complexos de uma maneira superficial, oculta a realidade e estimula a entrada da iniciativa privada na educação pública, usando como desculpa, uma política global que desconsidera as particularidades de cada nação.
Em 2017, após discussões e muitas críticas, a Base Nacional Comum Curricular- BNCC é aprovada em um alinhamento com a Agenda 2030. O documento foi esvaziado da Educação Ambiental (EA) e de qualquer crítica a respeito das desigualdades sociais e da degradação ambiental. Optou pela tendência internacional em fazer referência aos termos desenvolvimento sustentável e educação para a sustentabilidade, que carregam consigo intencionalidades em atender as necessidades do capitalismo e a degradação ambiental imposta por ele, sem muitas preocupações com EA, que tem por princípio básico, a formação humana com princípios éticos de respeito a qualquer forma de vida. Diante disto, é fica evidente a necessidade da valorizar a EA e a sua permanência como referência, na construção de políticas públicas e documentos que orientam o currículo escolar (SILVA; LOUREIRO, 2019; FRIZZO; CARVALHO, 2018).
Diante do exposto, o DS é uma ideologia que está sendo construída desde que se percebeu que o esgotamento dos recursos naturais compromete a continuidade do capitalismo e que a geração presente deve preservar a natureza, não para as gerações futuras, mas como combustível para o capital em qualquer tempo.
Referências
COSTA, G. C; GONÇALVES, P. M. Omissões do Gargamel: os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e os Smurfs. Atas: IX Encontro Pesquisa em Educação Ambiental. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora – MG, 13-16 de agosto de 2017.
DIAS, G.F. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. São Paulo: Gaia, 1991.
DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: HUCITEC, 1996.
FRIZZO, T. C. E.; CARVALHO, I. C.de M. Políticas públicas atuais no Brasil: o silêncio da educação ambiental. Rev. Eletrônica Mestr. Educ. Ambient. Rio Grande. Ed. Especial EDEA, n. 1, p. 115-127, 2018.
HARVEY, D. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
OLIVEIRA, L. D. de. A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável: Notas para Reflexão. Revista Tamoios, Rio de Janeiro, UERJ-FFP, v. I, n. 2, p. 33-38, 2005.
SILVA, S. DO N.; LOUREIRO, C. F. B. O sequestro da Educação Ambiental na BNCC (Educação Infantil - Ensino Fundamental): os temas Sustentabilidade/Sustentável a partir da Agenda 2030. XII ENPEC. UFRN, Natal, RN. 2019.
UNESCO. Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: objetivos de aprendizagem. 2017.
Vídeo:
Palestra: A ideologia do desenvolvimento sustentável - a partir de 01:30:00.
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